10 abril 2005

A vida na selva é regida por uma lei: a anarquia. Quem pode, salva-se, isto é, apodera-se dos lugares mais respeitosos - mas não é por ocupá-los que de imediato ficam isentos de riscos: é precisamente por os ocuparem que correm mais riscos, porque todos os outros ambicionam estar onde estão. Nesta selva, eu estou, entre muitos, no lamaçal. Mas eu sei que estou no lamaçal, enquanto outros, que aqui estão comigo, julgam estar lá em cima, nos galhos últimos das árvores, onde nem as cobras vão e donde se diz que se vê toda a selva. Vivem, pois, nessa ilusão, mas só a aplicam a eles, porque quando olham para nós, os que não têm essa ilusão, e portanto não concordam com eles, acham que nós é que somos quem está no pior lugar. Não aceitam quaisquer confrontações, a sua ilusão consome-os e não desaparece. Eu sei que estou no lamaçal porque, apesar de não ter nada, não me dão nada, nem tenho hipóteses de um dia vir a mudar para um sítio mais seco. Sei que é esta a minha condição, e embora Séneca e Nietzsche se degladiem sobre se é bom ou mau, respectivamente, estou aqui, eu, que sei que nenhum deles aqui esteve, aceito o lugar, não só porque é aquele onde à partida surgi e donde nunca saí, mas também porque quero evitar as longas e dolorosas quedas daqueles que cá vêm parar vindos de lá de cima.