
A condição de possibilidade de unir as pontas soltas, a união que as ata, aglutina, é dada por Zeus, de acordo com Píndaro. Zeus é simplesmente possibilitante. É-o ao dar-nos a oportunidade, ao criar a ocasião para nos definirmos, ou redefinirmos, ao dar-nos uma hipótese. O momento oportuno aglutina numa dispensa de sentido todas as possibilidades da minha vida, de forma a estabelecer o nexo. O kairós totaliza os fragmentos estilhaçados da nossa vida, dá uma união, dispende sentido, abre caminho por onde ir, anula o carácter avulso de tudo. A obra fundamental do momento oportuno é de compreensão do que está disperso no todo das nossas vidas. Executa-nos. No limite é um mega organizador temporal, labora o tempo e elabora-nos através dele a partir do seu interior. O seu sentido não é causal, é simplesmente compreensivo. Poucos são os que estão à altura deste acontecimento. Os grandes homens são os que compreendem uma possibilidade simplesmente possibilitante. As suas vidas não são apenas momentos de emancipação do passado, da tradição. Todo o movimento de emancipação é definido negativamente, é um livrar-se de qualquer coisa, mas de que nunca verdadeiramente nos soltamos; podemos ficar uma vida inteira a tentar definirmo-nos relativamente àquilo de que nos deixámos, àquilo que deixámos de ser. A emancipação pode não libertar. Assim, as vidas dos grandes homens apenas extrinsecamente, como que por uma descrição e observação do exterior, são cortes com o passado, rupturas e formas de emancipação. Mas é a possibilidade intrínseca da mudança, o libertar-se para qualquer coisa de completamente diferente, um outro ser o que está verdadeiramente em causa nas suas vidas. É por se tornarem num futuro diferente, radicalmente outro, é por essa mudança ser uma possibilidade para a humanidade no seu todo, por haver futuro que a ruptura é feita. Não basta livrarmo-nos de... é necessário libertarmo-nos para.
António de Castro Caeiro, Píndaro - Odes Píticas