29 março 2007

Nos últimos tempos do meu macerado corpo na Terra, eu procurava levantar as camadas endurecidas que escondiam aquelas curiosas experiências a que havia assistido, e queria ver se o meu espírito doente, no corpo doente, podia, numa acuiddade suprema, prever a verdade do singular mistério da morte. Mas ele recuou mais uma vez, ante a seriedade de uma coisa para que se confessara fraco.
E eu, que não queria extinguir-me, armei dentro em meu peito um luminoso altar ao Deus de minha mãe: afervorei-me a ele, e reflecti: - Deve ser verdade a existência de Deus e da vida eterna.
Uma ideia não atravessaria os tempos, sempre firme e sempre grande, vencendo todos os obstáculos que a maldade dos homens lhe tem anteposto, se não fosse a eterna e indestrutível verdade.
E depois minha mãe crê, e quero crer também.
Tenho espalhado tanto riso, e concentrado tanta dor, que bem posso agora pôr a minha alma a rir, no momento final em que o meu alquebrado corpo vai consumar a dor derradeira.
Assim passei.
O meu «eu», mineiro empobrecido e alquebrado da mina da ironia, entrou na vida sonhada e crida, à força de vontade, e sorridente e feliz, por ter despido o porco escafandro em que atravessara esse imundo charco, que se chama - mundo.
Nunca tiveste a sorte grande, não?
Não; mas os que a hajam tido que te expliquem a sensação de assombro, de alegria doida, que os toma no terem a almejada notícia. Entretanto eles não jogaram nunca senão para terem essa sorte.
Ora foi o que me aconteceu.
Nos últimos momentos que vivi nesse vale de lágrimas... de crocodilo, enclavinhei as minhas unhas de náufrago na tábua da derradeira esperança no ressurgimento, como um jogador «enragé» na esperança da sorte máxima. Pois fui tomado de igual assombro ao ver que essa sorte me tinha saído, e que este corpo, só de ossos feito, jazia estatelado no fofo colchão onde finalizou a sua marcha, e eu - o meu apetecido «eu» espiritual - me despegava dele como de uma véstia inútil e sebosa, saindo daquela desengonçada prisão, como um pintassilgo de uma gaiola velha.
Não sei se o pintassilgo, ao sentir-se livre, canta imediatamente hinos à liberdade querida; eu é que, confesso, não me senti logo com muita vocação para a cantoria.
É que nesse ramo da «bell' arte di canto» fui sempre um desgraçado.
Trauteava às vezes, baixinho, a medo de me surpreender eu próprio no estranho caso, um fadinho brejeiro ou uma modinha de Vila do Conde; e qualquer dessas coisas não tinha na grandeza a solenidade do acto, nem o «entrain» de uma «marseillaise» celestial; por isso senti grande embaraço na conjuntura.
A minha consciência - o tal guarda-livros a que anteontem te aludi - deu-me um repelão furioso e tirou-me da dificuldade; e cruzando os braços diante de mim, perguntou-me em fera catadura:
- Vamos, «blasé»; vamos, vencido da vida (oh! oh!); vamos, ironista; vamos, idiota, dize lá o que fizeste.
Por onde andaste com esse fenomenal riso de parvo?
Que bagagem dás ao manifesto, ao passar a aduana celestial?...
Senti-me aterrado.
Nunca nas minhas mais fantásticas concepções imaginei que houvesse aqui uma sucursal da aduana portuguesa.
Era a mesma delicadeza e a mesma curiosidade!
Estaquei de assombro, e reflecti que devia ser bem poderosa a minha pátria lusa, para estender as suas raias além da imortalidade. Procurei equilibrar-me, e relfexionei: - Vamos, tendo de haver aqui guarda fiscal e não sendo francesa, prefiro então que seja minha patrícia. E quis parlamentar.
Mostrei a minha rica bagagem.
- Olhe, aqui tem. Este é o crime da Estrada de Cintra - o meu primeiro crime...
Abriu os olhos e respondeu:
- Isto aqui não é Boa-Hora. Diga o que traz. Eu não tenho nada com os seus crimes...
- ... «O Crime do Padre Amaro»...
- Já lhe disse que isto aqui não é a Boa-Hora... que tenho eu agora com o crime do Padre Amaro?... Padres criminosos têm aqui passado muitos...
- ... «O Primo Basílio»...
- Não preciso conhecer a família... Adiante.
- ... «O Mandarim»...
- Mau! Você está a brincar comigo? Que tenho eu com os mandarins? Nós não estamos na China, no Celeste Império, estamos no império celeste.
Achei graça ao trocadilho garrídico do Cérbero aduaneiro, e continuei:
- «Maias», «Fradique Mendes», «Relíquia», «Cidades e as Serras», cartas de várias partes do globo terráqueo, artigos de revistas, jornais, contos...
- Homem, pare lá! Mas que tenho eu com isso?...
Fez-se luz para mim. Esquecia-me de que a guarda fiscal portuguesa não sabia ler!!!
- Pois, senhora guarda fiscal, não trago mais nada útil.
- Pois, senhor viajante, será mais verdadeiro se disser que não traz nada útil.
Bagagem avariada, bagagem avariada!
Pode passar sem pagar despacho, mas não lhe auguro nada de bom aí mais para diante. Vai suceder-lhe como à cigarra de La Fontaine: - cantou mas vai dançar agora...
Aterrorizei-me. Que me iria suceder?
Eça de Queirós, Póstumo (pp. 29 - 32)

28 março 2007


"Tudo se encadeia na natureza desde o átomo primitivo até ao Arcanjo, pois ele mesmo começou pelo átomo."

19 março 2007

LC 1, 68


Cada criatura humana é constituída de trilhões de células. Cada célula é um ser espiritual, individualizado da Centelha Divina, e que já ultrapassou os estágios mineral e vegetal, iniciando-se na fase animal. Compreendamos bem que, nesse estágio, a célula é um vórtice energético animado por um ser espiritual, que se reveste de matéria física para constituir o corpo denso da criatura. Repisemos: o corpo astral ou perispírito, no ventre materno, não se materializa em bloco: sua materialização é o resultado da materialização parcelada de cada uma de suas células.
Avancemos. Cada ser, ao sair do estado monocelular, vai crescendo pela lei das Unidades Coletivas (Pietro Ubaldi, em A Grande Síntese), e vai necessitando de auxiliares para desempenhar suas funções que se multiplicam. Vai então agregando a si outros seres monocelulares, que o acompanharão durante todo o curso evolutivo.
Ao chegar ao estado humano, o número de suas células está mais ou menos fixado, e a criatura se vai elevando na escala servido sempre pelas células servis, como auxiliadoras preciosas de sua evolução. As células são AS MESMAS vida após vida, embora o envoltório físico dessas células varie de vida para vida e até dentro de uma mesma existência da criatura, elas morrem e renascem, isto é, perdem a matéria física e retomam outra. A prova de que a parte espiritual das células é a mesma, e de que só seu corpo se refaz, é que as cicatrizes profundas da infância se mantêm até a velhice, embora a ciência tenha confirmado que, após cada sete anos, todas as células se renovam (menos as nervosas, que pertencem ao corpo etérico e não ao físico). Então, elas se renovam, sim, mas só no corpo físico, que é a contrapartida, a materialização de seu corpo perispiritual ou astral. E as cicatrizes profundas afetam o corpo astral das células, e por isso não desaparecem, pois atingem o vórtice energético. No entanto, as pequenas e leves cicatrizes, que só atingiram o corpo físico das células, essas desaparecem quando as células tomam outro corpo físico.
Ora, essas células, seres espirituais com mente própria (tanto que sabem sua função específica e a executam a rigor) evoluirão também. Enquanto permanecem no corpo humano, possuem a chamada alma grupo, constituída por nosso próprio espírito, e são governadas por nossa mente subconsciente. Tanto assim que se nos desequilibra e aparecem os distúrbios e enfermidades.
Mas, ascendendo lentissimamente pela escala animal, atingirão após milênios de milênios, a escala humana. A esse ponto, a criatura humana que foi servida por essas células (hoje criaturas humanas) já atingiu grau evolutivo elevadíssimo e terá sob sua responsabilidade todo esse conglomerado humano, que constituirá o seu povo.
Aqui temos uma explicação do grande motivo que impeliu Yahweh (Jesus) a criar o planeta (ou todo o sistema planetário), para acolher-nos em nossa evolução: esta humanidade, que aqui vive, é constituída das antigas células que, em épocas imemoriais, formaram os corpos de Jesus durante sua passagem pela escala hominal em outros planetas. Ajudamo-lo em Sua evolução hominal e Ele agora ama-nos entranhadamente, até o sacrifício, e veio entre nós o que era Seu, para ajudar-nos a libertar-nos do jugo da matéria. (Esclareçamos, todavia, que não nos referimos ao corpo de Jesus materializado em sua última passagem pela Terra há dois mil anos. Não. O que dizemos ocorreu há bilhões de anos atrás).

C. Torres Pastorino, Sabedoria do Evangelho, T. I

16 março 2007




Não é difícil adivinhar a marca do meu telemóvel...

13 março 2007

P.1.81-83




A condição de possibilidade de unir as pontas soltas, a união que as ata, aglutina, é dada por Zeus, de acordo com Píndaro. Zeus é simplesmente possibilitante. É-o ao dar-nos a oportunidade, ao criar a ocasião para nos definirmos, ou redefinirmos, ao dar-nos uma hipótese. O momento oportuno aglutina numa dispensa de sentido todas as possibilidades da minha vida, de forma a estabelecer o nexo. O kairós totaliza os fragmentos estilhaçados da nossa vida, dá uma união, dispende sentido, abre caminho por onde ir, anula o carácter avulso de tudo. A obra fundamental do momento oportuno é de compreensão do que está disperso no todo das nossas vidas. Executa-nos. No limite é um mega organizador temporal, labora o tempo e elabora-nos através dele a partir do seu interior. O seu sentido não é causal, é simplesmente compreensivo. Poucos são os que estão à altura deste acontecimento. Os grandes homens são os que compreendem uma possibilidade simplesmente possibilitante. As suas vidas não são apenas momentos de emancipação do passado, da tradição. Todo o movimento de emancipação é definido negativamente, é um livrar-se de qualquer coisa, mas de que nunca verdadeiramente nos soltamos; podemos ficar uma vida inteira a tentar definirmo-nos relativamente àquilo de que nos deixámos, àquilo que deixámos de ser. A emancipação pode não libertar. Assim, as vidas dos grandes homens apenas extrinsecamente, como que por uma descrição e observação do exterior, são cortes com o passado, rupturas e formas de emancipação. Mas é a possibilidade intrínseca da mudança, o libertar-se para qualquer coisa de completamente diferente, um outro ser o que está verdadeiramente em causa nas suas vidas. É por se tornarem num futuro diferente, radicalmente outro, é por essa mudança ser uma possibilidade para a humanidade no seu todo, por haver futuro que a ruptura é feita. Não basta livrarmo-nos de... é necessário libertarmo-nos para.



António de Castro Caeiro, Píndaro - Odes Píticas

02 março 2007

Não espero mais do que aquilo que tenho: espero, sim, não perder o que a tanto custo já consegui. Mas é como se me escorregasse dos dedos... Se calhar não é com estas mãos que se pode segurar...