04 dezembro 2005
Não sabes? Não sabes mesmo? Então eu lembro-te: dói-te a cabeça porque foste lá. tantas vezes eu te disse: não vás!, não vás!, não virás bem de lá! acabaste por ir, e eis o estado desumano em que surges. Ah, pois é, sim, mas mais desumano do que costumas ser. É bem feito! Aquilo não é lugar para ti. Por acaso viste as flores? Sim, lindas, não eram? Ah foste cheirá-las! Já sabes então donde vem essa dor de cabeça que é maior que a tua área cranióide. O pólen dessas plantas, ó grande imbecil, é só para quem nasce apto a captá-lo para o consumir; para quem, em contacto com essas lindas florzinhas, se torna um-só com elas, e o pólen, droga de vida, flui entre um e outro em júbilo. Vá, encosta-te aí, no teu canto, e deixa para os outros o que não é para ti.
27 novembro 2005
A luz fraca vai chovendo pelo móveis abaixo; na caixinha cinzenta, um parvo qualquer entretém as massas; no sofá, jaz o teu corpo mole. Os teus olhos vão-se fechando às vezes, como se quisessem evitar ter de ver a miséria em que te tornaste; consegues ainda ver a tua mão amortecida sobre o braço do móvel que te sustém, e lembras-te dela a agarrar os carros, as canetas, uns seios. Um mundo de ouro que, contra a previsão, oxidou. Finalmente os olhos fecham-se, e a pouco o som que vai irritando o ar também vai ficando mais longe, cada vez mais longe, até que de repente um ruído surdo te entope os ouvidos. É ELA que entra, atravessando, como um navio num mar tempestuoso, as vagas de ar que te sufocam.
28 abril 2005
Querias estar vivo quando esse ano ocorrer? então não podias estar vivo agora. não a conhecias. não serias escamoteado por aqueles em específico. outros talvez to fizessem, mas o que importa é que se vivesses nesse ano não serias tu; só tendo nascido quando nasceste, onde nasceste e donde nasceste é que pudeste ficar assim. não queiras o que não se relaciona contigo. lembra-te: ela, sempre ela! ela é já razão suficiente para estares aqui agora, a consumir estas matérias, estes produtos. este arroz que comes: é teu, só teu, só de agora, só dura enquanto o levas até ti. ninguém mais o vê, só tu. tu! como se tu pudesses ver mais alguma coisa além dela! por muito que o negues, por muito que o não mostres, por muito que ela te queira, te mostre que te quer sem lho responderes. porque o fazes? porque és assim, hás-de ser sempre assim: nasceste assim. morrerás assim. até lá, ama-a, ainda que nunca se materialize o que se insinua entre vocês. ama-a da forma como concebes o Amor, a Relação, todo o propósito de ambos existirem. continua a amá-la, e quando estiveres numa fase em que descais para quem está mais perto de ti, em mais fácil acesso, algo há-de ocorrer que vos volte a chocar. como o que acaba de acontecer.amanhã já não te lembras, mas hoje não te sai da cabeça. ama-a. ainda que venhas a acabar tal qual como estás.QED
10 abril 2005
A vida na selva é regida por uma lei: a anarquia. Quem pode, salva-se, isto é, apodera-se dos lugares mais respeitosos - mas não é por ocupá-los que de imediato ficam isentos de riscos: é precisamente por os ocuparem que correm mais riscos, porque todos os outros ambicionam estar onde estão. Nesta selva, eu estou, entre muitos, no lamaçal. Mas eu sei que estou no lamaçal, enquanto outros, que aqui estão comigo, julgam estar lá em cima, nos galhos últimos das árvores, onde nem as cobras vão e donde se diz que se vê toda a selva. Vivem, pois, nessa ilusão, mas só a aplicam a eles, porque quando olham para nós, os que não têm essa ilusão, e portanto não concordam com eles, acham que nós é que somos quem está no pior lugar. Não aceitam quaisquer confrontações, a sua ilusão consome-os e não desaparece. Eu sei que estou no lamaçal porque, apesar de não ter nada, não me dão nada, nem tenho hipóteses de um dia vir a mudar para um sítio mais seco. Sei que é esta a minha condição, e embora Séneca e Nietzsche se degladiem sobre se é bom ou mau, respectivamente, estou aqui, eu, que sei que nenhum deles aqui esteve, aceito o lugar, não só porque é aquele onde à partida surgi e donde nunca saí, mas também porque quero evitar as longas e dolorosas quedas daqueles que cá vêm parar vindos de lá de cima.
28 março 2005
Uma banal livraria numa esquina para a rua principal. Chuva miudinha mantém a cara fresca e um estado de espírito doentio favorável ao aspecto zombie que se tornou moda no mundo digital. O sujeito (sem nome, à boa maneira neo-realista), entra pois nessa loja. O seu objectivo é não mais que este: gastar dinheiro, ainda que lhe tenha custado mais a ganhar do que o seu verdadeiro valor. Uma escolha demorada para conseguir a melhor decisão. Mas a cereja do bolo torna o gosto pelo livro escolhido em bolo, melhor, em massa da base: um par de olhos vulgares, banais, redondos como todos, sérios como todos, castanhos como muitos. Só que o brilho; a imagem que se vislumbra para lá do globo ocular, mera janela rústica de um palácio de rei-sol. Porém, de imediato o fim da primeira ficção: ouro anelar num dedo. Logo nova esperança: forbidden fruit. Não: a voz dela diz que não, e de novo os carros, as nuvens, a inexistência de uma razão pequena para se conhecer a vida.
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